9.24.2005

Carta Aberta ao Sr. Presidente
da Câmara Municipal de Viana

do Alentejo

Em tempo de eleições é normal que os candidatos, nomeadamente
os que se sentam na cadeira do poder, se abstenham de atitudes polémicas, especialmente se delas podem advir prejuízo para a sua imagem e campanha; é normal em tempo de eleições.

Quando na terça-feira passada visitei o nosso Cine-Teatro para conhecer as tão esperadas obras de remodelação, fiquei
sem palavras quando, no vestíbulo de entrada, me deparei
com uma placa comemorativa (estilo lápide), descerrada no dia
da inauguração por Vª Ex.ª, onde se lê:


"A DEVOLVER AO POVO
O QUE NUNCA LHE PERTENCEU"

Pelo que me toca não posso deixar de pensar que tal frase foi emitida ou pelo menos consentida por Vª Ex.ª.
A citação, confusa, quer dizer literalmente que, apesar do cinema
ser propriedade da Câmara desde há anos, não pertence ao povo
e ainda não se sabe quando o vai ser – note-se que a lápide
não diz devolve-se, diz "a devolver" isto é, está ainda em vias
de acontecer, não se sabe quando...

Partamos do princípio de que a generalidade dos Vianenses conhecem, porque nela participaram, a história deste Cine-Teatro,
especialmente nos últimos dez anos, antes de ter sido vendido
à nossa Câmara. Dispensa-se, por isso, uma longa e fastidiosa descrição.

Espanta-me, no entanto, Sr. Presidente, que seja necessário lembrar-lha, e logo a si que foi funcionário daquela casa e, após isso, assíduo cliente. Lá assistiu e participou, em muitos momentos históricos, a numerosas iniciativas que decorreram naquele espaço e saberá a importância que teve para muita gente da nossa terra e povoações vizinhas. Felizmente isso e muito mais está documentado num vastíssimo álbum de fotografias, recortes de jornais, cartazes e vídeos que um dia destes terei o prazer
de organizar em exposição e partilhar com a população
(não me esquecerei de convidar Vª Ex.ª).

Acha que tem sido melhor patrão do Cine-Teatro enquanto presidente do que o foram os gerentes privados?
Pode desmentir que aquele espaço sempre esteve mais aberto para todos anteriormente do que desde que passou a pertencer
à Câmara Municipal?
Por mais promessas que faça, duvido que alguma vez seja capaz
de permitir uma utilização multicultural e multidisciplinar,
nem sequer democrática e plural.

Não é correcto dizer-se que se devolve em vez de empregar-se
o verbo adequado, que seria entrega-se. Trata-se mesmo, pela data da inauguração, de uma tentativa de reescrever a história, completamente inadmissível. A história daquela casa começou
a ser escrita por quem a mandou construir, esse sim, um grande homem, de seu nome Jesuíno José Simões. A memória de quem efectivamente fez obra merece, no mínimo, o respeito de todos
os que actualmente usufruem dela.

Muito mais haveria a dizer, poderíamos falar do projecto
de descentralização cultural que ali teve lugar, das inúmeras parcerias com as mais diversas entidades do Concelho; teatro, cinema, discoteca, exposições, até música clássica, eventos
para novos e velhos, para verdes, vermelhos e azuis, etc. etc.
E antes do 25 de Abril, as rusgas da Pide, o Zeca Afonso…

A placa deveria ser corrigida, na própria pedra:
"A devolver ao povo o que sempre lhe pertenceu”. sic



Publicado por Manuel José Serpa Baião
| Diário do Sul | 2005-09-23 |